EP: Jonas e Kiko - o amor não tem cor

11/10/2015

Em Lisboa podemos encontrá-los a trabalhar num restaurante ou noutro lugar que no momento lhes faça sentido. O que os uniu foi a paixão pelas artes e a forma como através delas conseguem expressar as suas emoções e sentimentos. Ambos partilham a mesma paixão pela vida e o gosto de se ligarem a pessoas, criando laços mais fortes independentemente do sítio onde se encontram. Estão juntos há cerca de dois anos, e há um casaram. Esta é a história do Kiko e do Jonas.
“Eu e o Kiko somos muito do mundo, não nos sentimos presos num lugar, pelo contrário. Na verdade a gente sente-se muito de todos os sítios”.
Conheceram-se no atelier de arte do Kiko, após uma longa espera por esse primeiro encontro. “Apaixonei-me pelo homem, pelo artista e pelo intelecto principalmente. Tudo fez sentido de uma maneira incrível”.

O Jonas foi durante muito tempo bailarino numa companhia de dança no interior de São Paulo. Diz ter já começado tarde. Com 18 anos, iniciou-se no ballet, tendo passado depois para a dança contemporânea. “Fiquei fascinado porque podes transmitir e dizer o que tens para dizer e colocar-te ali de corpo e alma, de uma forma diferente do que fazes no ballet que tem regras duras. Ali és mais livre para criar. Fiquei 5 anos nessa companhia, a “Nós da Dança”. Depois fui para São Paulo para trabalhar e acabei de deixar a dança um pouco de lado, para me poder sustentar e sobreviver. Mas isso não morreu”. Foi em São Paulo que conheceu o Kiko. “Parte desta relação de admiração mútua é artística. Para mim dançar é uma entrega muito grande, física e emocionalmente e ele também se entrega da mesma forma às artes plásticas”.
Desde cedo, também o Kiko se atraía pelas artes e não desistiu de investir nessa vertente. “Comecei a trabalhar em arte depois de algumas experiências profissionais frustradas. Não tinha formação e fui procurar um meio de ser artista. Comecei por eliminar várias áreas, a começar pelas artes de palco porque sou muito tímido. Então decidi ser artista plástico porque desde criança sempre desenhei muito e passava horas do dia nisso. Fui procurar uma pessoa em São Paulo que tinha um atelier e pedi para ela me orientar. Primeiro perguntou-me se eu era rico, e aí eu disse que era pobre. Ela perguntou-me: pobre como? Você tem o que comer, onde morar? Eu disse que tinha. Nisto ela disse-me que eu também devia ter o que vestir porque não estava mal vestido, portanto não poderia ser assim tão pobre. Foi aí que me saiu: sinto-me pobre porque não tenho acesso à cultura". 
Foi algo que disse sem pensar e isso foi razão suficiente para convencer a artista de que merecia um lugar para a ajudar no atelier. Começou assim a trabalhar com arte durante um ano e meio. Depois abriu o próprio atelier. "Era um espaço aberto que as pessoas do meu bairro começaram a frequentar”. O Kiko morava num bairro na periferia de São Paulo, onde as pessoas não tinham propriamente forma de aceder à cultura. “Plantei assim o interesse em arte nas pessoas do bairro. Todos achavam mágico, do estilo 'uau está aqui arte!', e eu próprio criei um acesso, de certa forma, à cultura”. Contou ainda que muitas dessas pessoas se tornaram artistas depois de frequentarem o seu atelier. “Pensaram: se ele pode, eu também consigo, e saíram dali para ir estudar. Havia pessoas com talento e que foram explorar ainda mais esse lado. A arte para mim não tem uma classificação de mais ou menos arte. Vale tudo, tudo tem um valor, expressão e emoção”.
O Kiko faz esculturas com material reciclado. Encontra materiais no lixo, transformando depois as várias partes num todo. “O mundo é tao efémero e as pessoas deitam tanta coisa fora... acho que há muita energia que é ali desperdiçada. A minha formação é em Gastronomia, sou autodidacta em artes plásticas mas sempre vivi mais de arte do que da gastronomia, sempre tive esse ímpeto. Venho de uma família que simples que não consome arte por assim dizer, mas que tem uma veia artística muito forte. A arte é uma forma de nos extravasarmos e de espalharmos as nossas emoções. Este é um dos motivos pelos quais estamos aqui em Portugal. Devemos descobrir um mundo novo e poder conhecer novas mentes e pessoas que querem construir um mundo mais plural. Acho que a arte está para nós desta maneira. Estamos a construir a nossa vida desta forma plural, queremos transpôr as barreiras do mundo e dividir estas experiências humanas”.
Quanto à liberdade de expressão, não se sentiam oprimidos no Brasil, mas gostaram da liberdade que encontraram por aqui. “Sentimos aqui um pouco mais de liberdade do que em São Paulo, mas seria injusto da minha parte dizer que me sinto qualquer tipo de preconceito. Nem de amigos ou familiares sentimos isso. Em São Paulo frequentávamos vários cafés, bares e nunca sentimos nada de estranho porque as pessoas viam que éramos um casal feliz, numa relação onde havia amor. As pessoas olhavam e viam algo bonito”.
Apesar de tudo, ambos concordam que tudo está em constante evolução e que o que hoje não é ainda aceite como normal, não tarda passará a ser extremamente banal. Tudo tem um tempo de adaptação. “A comunicação no Brasil teve uma grande expansão e as coisas também ficaram diferentes, houve mais espaço para qualquer pessoa se manifestar contra minorias. Mas isto não quer dizer que seja tudo mau, faz com que se abra o diálogo e faz com que se criem políticas para que se protejam mais as pessoas. Faz tudo parte de uma mudança: primeiro tivémos um boom económico e agora vamos ter de ter um crescimento intelectual, cultural que faz muita falta”.
Já o Jonas considera que ainda temos um longo caminho pela frente e que para isso se devem assumir as coisas. “Principalmente devemos assumir o que somos. Sim sou gay mas não é isso que me ou nos define. Sou acima de tudo uma pessoa. Parte de assumir nomes ou assumir quem somos, é também uma alta afirmação. Sim sou gay, sou casado e tenho aqui o meu marido comigo. Acho importante porque, se ainda há algum estigma em relação a este assunto, devemos acima de tudo afirmar-mo-nos como aquilo que somos”.
Mais do que rótulos impostos pela sociedade, ambos querem passar a mensagem que acima de tudo contamos como humanos, indivíduos e que não devemos ser etiquetados pela forma como manifestamos os nossos sentimentos.
“Devemos olhar o ser humano como alguém da nossa espécie, devemos tentar tornar o dia das pessoas que nos rodeiam melhor, sem grandes pretensões. As ideias e a moral, mudam, tudo está em constante mudança. Mas até lá, até ela acontecer, como casal devemos assumir a nossa posição. Em relação ao mundo... ainda há muita coisa para mudar. Para criarmos a vida como uma obra de arte temos de nos livrar de preconceitos e temos de nos livrar do materialismo. Além disso não devemos procurar a felicidade: não é um lugar é um caminho que percorremos”.



Esta entrevista fez-se num final de tarde chuvoso, pelas ruas do Chiado. Terminou com um lanche aconchegante com direito a troca de partilha de ideias e conhecimento.

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