DE CÁ, PARA LÁ #3: A RAQUEL NA ALEMANHA, SUÉCIA... NO MUNDO

3/07/2017

Chamo-me Raquel, tenho 26 anos e actualmente estou em Bochum, na Alemanha (mas apenas por mais um mês). Saí de Portugal a 27 de Junho de 2015 para fazer um Ph.D. europeu em Biologia/ Bioquímica, o que me coloca por um período de 3 anos em 3 países diferentes (Alemanha, Suécia e Espanha).


Nas vésperas da minha escapedela à Lapónia aceitei o convite da Marta para escrever um pouco sobre a minha experiência. Comecei o esboço no comboio nocturno que apanhei em Estocolmo rumo ao círculo polar árctico, mais exactamente, Kiruna na Suécia (com umas simpáticas 16 horas de viagem).

● Sair do país

Foi talvez a decisão mais difícil da minha vida. Pode parecer um cliché, mas é realmente difícil deixar uma vida para trás. Quando terminei o mestrado em bioquímica pensei: ‘Bora enviar CV’S, não será assim tão complicado encontrar alguma coisa! – O trabalho nunca me assustou. Já trabalhava desde os tempos de licenciatura, coisas pequenas e nada fixas, mas dava para ganhar uns trocos e desafogar os meus pais com a dita mesada que me recusei a receber assim que comecei a trabalhar. No entanto, só quando comecei a enviar CV’s infinita e diariamente não obtendo qualquer resposta, me fui apercebendo como a frustração se apoderava de mim. 


Não queria acreditar que os 6 anos dedicados à ciência poderiam ter sido em vão. A Diana, minha madrinha de faculdade e amiga, foi a chave para eu sair do país. Pela experiência dela (que havia emigrado um par de anos antes de mim) tomei conhecimento de um site chamado eurojobs.com que dá conta não só de posições de Ph.D. mas também de outro tipo de ofertas de emprego a nível europeu. Na verdade, o Ph.D. nunca foi algo que eu desejasse imensamente, simplesmente aconteceu. Enviei 2 CV’S para a Alemanha e tive automaticamente 2 entrevistas. A posição na qual estou, teve um processo de selecção duro. Desde candidatura online passando por entrevistas via skype e por telefone até a uma entrevista presencial com a tarefa acrescida de dar uma apresentação de quase 20 minutos. Quando fui seleccionada não queria acreditar – só conseguia chorar sem saber o que fazer. Nunca pensei ser escolhida, por isso, embora tenha considerado a hipótese de sair, só naquele momento se tornou real. 


Foi com todo o apoio dos meus amigos e da minha família que aceitei o maior desafio da minha vida. E estou a adorar. É bom sentir-me valorizada. É bom saber e sentir que alguém acreditou em mim e me deu a mão. É bom ter um contracto de trabalho. Sou tratada como uma qualquer cidadã neste país: pago os meus impostos que não são nada pequenos, tenho um seguro de saúde (porque na Alemanha ninguém pode trabalhar sem um) e quando o meu contracto acabar, se mantiver residência na Alemanha, tenho direito a um subsídio de desemprego que equivale a 60% do meu ordenado. Infelizmente, nada disto é possível em Portugal. Na ciência as condições são para lá de precárias. Os bolseiros não são tratados como “trabalhadores normais” e falo com conhecimento causa pois durante 10 meses também fui bolseira num laboratório. Por tudo isto, não me imagino a regressar ao nosso país. Os meus pais já dizem que só volto para férias e custa-me concordar com eles.

Todo o processo de mudança de Portugal para a Alemanha, depois da Alemanha para a Suécia e novamente para a Alemanha também não é fácil. As burocracias não acabam e por vezes a língua torna-se uma barreira. Mas fiquei impressionada com a minha capacidade de adaptação. Agora que me preparo novamente para regressar à Suécia e deixar definitivamente a Alemanha, tenho a certeza que levarei comigo todas as recordações da minha vida aqui. Embora a transição seja mais fácil desta vez, não deixa de carregar a saudade que vou sentir das pessoas com quem me cruzei, dos lugares, da comida ou do meu laboratório. 



● O eu de agora e o eu de quando estavas em Portugal

Sou outra pessoa. Mudei e foi inevitável. A solidão que senti nos primeiros 3 meses em que estive na Alemanha tomaram conta de mim. Julgo que foi a fase da minha vida em que mais me isolei. Dei-me conta que estava a tentar viver duas vidas em simultâneo: a vida que levava em Portugal e aquela que estava a construir aqui e isso não foi bom. Pode parecer extremo mas entrei mesmo num conflicto interior porque começava a recusar estar aqui e foi quando o pensamento de “desistir” surgiu algumas vezes. Senti que me estava a tornar num “buraco negro” - o suporte familiar e o meu círculo de amigos foram e são sem dúvida a minha base.

Após esse período mais contrubado, comecei a praticar desporto (leia-se desporto como aulas de zumba, pilates ou GAP), a aprender alemão (Wie geth’s? Ich liebe Marta! Haha), a viajar e a fotografar muito! Recentemente até fui a um desfile para eleição de Miss Portugal na Alemanha. 


Aproveito todas as ocasiões que me façam conhecer pessoas novas. Foi mesmo terapêutico e julgo que todo este conjunto fez também parte do processo de integração. Devido à solidão que senti, tornei-me um pouco mais fria mas ao mesmo tempo valorizo muito mais cada momento que passo em Portugal, seja qual for a circunstância. Aprendi a ser tolerante e a apreciar. Aprendi também a ser mais selectiva e ainda o que realmente são prioridades. Julgo que sou mais forte interiormente e que o dito “desenrasca” ajudou muito. Os espíritos de aventura e de sacríficio também cresceram em mim assim como a curiosidade e o desafio. Adoro conhecer pessoas e culturas: tornam-me melhor. Viajar é mais que um hobbie, faz parte do que sou.

● Prós e contras do país em que estás vs Portugal

Nunca mais me queixo das burocracias em Portugal, ou até mesmo da CP. Nunca vi tanta dificuldade em cruzar informação e um sistema de comboios tão terrível como o alemão. Chateia-me também que tudo esteja fechado ao domingo!

Obviamente que o clima e a localização geográfica também não ajudam. Sinto muito a falta do sol, da praia e de comer peixinho. Nesse aspecto gosto mais da Suécia: como estou no sul, mesmo junto do ao mar, dá sempre para matar umas saudades da praia no verão assim como comer peixe com mais frequência. Mas claro que nem tudo é mau. Adoro os mercadinhos de natal na Alemanha: são um máximo! E o frio na altura do natal dá um clima muito mais natalício.

Sinto falta do ambiente descontraído que se vive em Portugal.. nas esplanadas, nos bares com música ao vivo, sinto falta do café e dos enchidos (trago sempre chouriço e bacalhau na mala cada vez que aí vou!). Na Alemanha, as pessoas são afáveis ao contrário do que muitos pensam, mas têm um estilo de vida e prioridades diferentes das nossas. Mas isso não é necessariamente mau.

Gosto de viver rodeada de natureza: aqui há parques e jardins que nunca mais acabam. Gosto dos dias gigantes na altura do verão quer na Alemanha e principalmente na Suécia. Gosto de falar e mostrar o meu país aos meus amigos daqui. Adoro poder viajar praticamente todas as semanas e ter a oportunidade de conhecer pessoas das mais diversas partes do mundo, algo que seria impensável se estivesse em Portugal. Enriquece-me não só a nível profissional mas principalmente pessoal. 


● A tua vida antes e agora.

Eu fui “forçada a sair” de Portugal... mas ainda bem. Apesar de ter que andar quase constantemente com as malas às costas, foi não só a melhor oportunidade que tive até hoje como está a ser a melhor experiência da minha vida. Embora isto seja transversal a todos os que saem: “as saudades da família e amigos”, sou mais feliz aqui. Estou a fazer o que gosto e isso dá-me gozo e satisfação. Em Portugal, tinha a família e amigos mas não tinha estímulo e isso faz muita diferença na minha vida. 

● As viagens


Nestes últimos quase 2 anos já me visitei mais cidades e mais países do que em 25 anos a morar em Portugal. É verdade que residir na Alemanha ajuda muito (estou praticamente no centro da Europa), que ter conferências e workshops também.. mas noto que tenho muito mais vontade de explorar. Viajar ao ritmo que viajo, seria impensável se continuasse em Portugal. Não digo apenas visitar países diferentes, mas dentro de um mesmo país, ir a outras cidades e perceber o contraste cultural que geralmente se vivem nas capitais e em cidades mais ou menos pequenas. A câmara fotográfica tem sido a minha melhor amiga e companheira ultimamente (Desculpa Maria, sabes que te adoro muito! Hahah).


Na Alemanha já visitei cidades próximas da cidade onde moro: Munster, Colónia, Bona, Aachen, Dusseldórfia (não resisti em traduzir para português) ou Cochem. Mas também já me aventurei por Estugarda, Munique, Greifswald, Berlim e Hamburgo. Grande parte destas cidades revisito com alguma frequência porque são sítios de que realmente gosto. 


Na Suécia, país onde também já vivi, estive em Lund, Malmo, Estocolmo e Kiruna (onde vi a melhor coisa até hoje – aurora boreal). A Suécia é imensamente rica em natureza. Morar lá no verão e ter apenas cerca de 3 horas de escuridão por dia faz-nos confusão ao inicio, mas rapidamente nos habituamos. Sabe bem poder aproveitar os dias ao máximo!


Para além destes dois países (com diferentes cidades) e de Portugal, onde tive o privilégio de morar, já visitei em trabalho: Oviedo (Espanha), Praga e Nové Hrády (República Checa), Delft e Geleen (Holanda) e Hamburgo e Greifswald (Alemanha e já mencionados). A vantagem das viagens de trabalho é que te cruzas com pessoas de toda a parte do mundo e depois ganhas estadia e guias turísticos gratuitos para as viagens em lazer! Ficas mesmo a conhecer os melhores “spots”.



Como lazer, comecei pelos Estados Unidos (porque tenho lá família). Passei lá quase um mês e visitei os estados de Connecticut, Nova Iorque, Rhode Island e Massachusetts. É realmente outra dimensão e um ritmo de vida completamente acelerado. 


Já me aventurei novamente pela República Checa: Praga é realmente uma cidade fantástica que parece tirada de um conto de fadas! Fui ainda a Kutná Hora e Cesky Krumlov (esta última adorei mesmo). 


Visitei também a Suiça: Zurique, Genebra e Lausanne (aqui tenho um casal amigo emigrado). Estive em Itália mas apenas com a oportunidade de visitar Roma e Bracciano. Na Bulgária visitei Sófia – fui completamente sozinha e acabei por conhecer dois portugueses no hostel com quem passei o fim-de-semana. Na Dinamarca visitei várias vezes não só o aeroporto (porque cada vez que vou para Lund na Suécia, esse é o aeroporto mais próximo) mas também Copenhaga que é uma cidade com uma energia incrível. Em Espanha também já estive em Madrid, Benidorm, Calpe e Ayamonte. Na Holanda estive ainda em Utrecht e Amesterdão (são sítios que repito porque tenho lá um outro casal amigo emigrado). Relativamente a França, fui a Paris (foi uma viagem marcante com a minha querida Joana). Fui recentemente a Dublin na Irlanda e confere.. a Guinness é realmente boa! Na Polónia estive em Cracóvia e Varsóvia. São obviamente cidades distintas mas visitar os campos de concentração em Cracóvia foi indescritível. Realmente, o silêncio é a única coisa que resta naquele lugar.



Mas não irei ficar por aqui, em trabalho já tenho agendado Budapeste (Hungria) e Graz (Áustria). Como lazer, Viena e Salzburgo (Áustria), Bratislava (Eslováquia), Bruges e Bruxelas (Bélgica), Helsínquia (Finlândia) e Talin (Estónia) já estão marcados. É possível que repita algumas cidades já mencionadas – há sítios que nos fazem bem e que estão carregados de uma energia fantástica que acabo sempre por experienciar de uma maneira diferente e com pessoas diferentes. Espero no próximo ano, assim que terminar o Ph.D. poder fazer a minha viagem pelo sul asiático acompanhado de voluntariado – é algo que quero MUITO fazer.
Sinto que a aprendizagem e a bagagem que estou a ganhar não tem preço nem se compara a algo que poderia vir a construir em Portugal.

Aprendi que “casa” é onde nós estamos. A minha casa é a Alemanha e no próximo mês será a Suécia. Em Outubro será Espanha. Sinto-me do mundo e não só de Portugal. E sabe bem.

fotos: Raquel Sofia 

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