DE CÁ, PARA LÁ #9: A Sofia, Londres

4/26/2017

Olá! Eu sou a Sofia :) Um ser sorridente com 25 (quase 26) anos de idade que trabalha em Londres, Inglaterra, como Laboratory Research Scientist (dizem eles), que passando para o bom português se limita a ‘Cientista’. Inglaterra foi o meu país de destino quando decidi, no dia 2 de Fevereiro de 2014, sair de Portugal.


● O que te motivou a sair e se te vês a regressar?

Não posso dizer que saí de Portugal pelos mesmo motivos que a maioria dos jovens Portugueses. Claro que a procura de trabalho bem remunerado, melhor qualidade de vida e maior liberdade estavam na minha lista, mas a minha saída deveu-se meramente a um momento de coragem ou insanidade. Em 2013 tinha feito ERASMUS em Sheffield, cidade pela qual me apaixonei. Sabendo que em 2014 algumas colegas embarcariam na mesma aventura de ERASMUS que havia vivido um ano antes, vi, então, a possibilidade de me aventurar com elas (elas no ERASMUS e eu na loucura) e regressar àquela cidade onde tinha sido tão feliz. 
Encontrar um trabalho foi muito fácil, criar uma rotina também, mas continuava a faltar-me alguma coisa. Talvez os momentos de ERASMUS que lá tivesse passado fossem apenas momentos para guardar e não para serem revividos e, aquela cidade que tanto amava (e ainda hoje amo), já não me fazia mais feliz. 
Um ano depois, e com uma oferta de trabalho em cima da mesa, decidi mudar-me para Cambridge. Apesar da passagem breve por esta cidade (menos de um ano), é claro que tive tempo para me render à tradição do uso da bicicleta para todo o lado. Acabei por me apaixonar pela minha pasteleira, que ainda hoje me acompanha.


Foi, então, em Julho de 2016 que acabei mesmo por me mudar para a cidade na qual sempre jurei não morar – Londres. A cidade dos carros, das pessoas apressadas, da confusão e do stress – sim! Mas também a cidade onde tudo acontece, onde a cada dia se descobre algo novo e surpreendente, onde a cultura não acaba e a criatividade não tem fim. Uma cidade apaixonante.
Se me vejo a regressar? Comecei por dizer que nunca sairia de Portugal. Dei por mim de mochila às costas e mais uma mala de 30 kg a caminho do avião que me levaria para Manchester, com a promessa de que em 3 anos regressaria a Portugal. Os três anos foram atingidos este ano, Fevereiro de 2017. Ainda aqui estou...
Amo o meu país. Amo, amo, amo a minha cidade – Lisboa. Sou patriota, sou orgulhosa, sou Portuguesa. Mas o tempo vai passando, a rotina vai-se criando, a vida vai começando a ser mais cá do que lá e as certezas passam a incertezas ou dúvidas para as quais ainda não tenho resposta. Sei que neste momento sou feliz aqui. Na casa onde estou, na cidade onde estou, no trabalho que tenho, com os meus jantares de amigas às quartas-feiras, as aulas no ginásio e os brunch de Domingo. E, por agora, o que importa é isso mesmo – o agora.


●  O teu eu de agora e o de quando estavas em Portugal. O que mudou?

Olhar para trás e reencontrar a Sofia que vivia em Portugal é difícil. São dois ‘eus’ completamente diferentes e quase incomparáveis. 
Viver longe de casa, num país diferente, onde estou totalmente por minha conta, obrigou-me a amadurecer.
Se antes era apenas a Sofia divertida, engraçada, mas que dizia que nunca iria sair de casa da mãe; hoje sou uma mulher completamente diferente! Sou independente, corajosa, determinada, desenrascada, feliz e muito, mas muito mais matura. Não desisto de mim, sou muito mais consciente daquilo que quero e não quero para a minha vida. Sei quem quero em meu redor, aquilo que quero seguir ou para onde quero ir. E quando não sei (sim, todos temos as nossas dúvidas), não entro em pânico como no passado; deixo simplesmente que a vida me mostre o caminho certo. Confio em mim, no tempo e no timing das coisas. Aprendi a fazê-lo.


Aprendi também que para o amor não existe distância. Que as lágrimas nas despedidas nos aeroportos são facilmente substituídas por momentos felizes e muito mais apreciados com aqueles que amamos. Viver fora permitiu-me passar muitos momentos em muitos lugares diferentes com as pessoas da minha vida. Momentos e lugares que talvez nunca fossem partilhados estando eu a viver em Portugal.
Aprendi que a distância existe apenas fisicamente e que os corações daqueles que verdadeiramente me amavam no momento em que decidi sair do meu país, continuam ligados ao meu, mesmo que as chamadas no Skype ou mensagens no WhatsApp não aconteçam todos os dias. Aprendi que quando vou a Portugal não há tempo para cafés com aqueles que só se lembraram de mim quando precisavam de ‘lugar para ficar’ numa visita a Londres; mas que uma tarde é pouco para aqueles que sempre se lembraram de enviar aquela mensagem a dizer ‘boa sorte para hoje’ quando algo importante acontecia na minha vida aqui. 
Não acho que me tenha tornado uma pessoa mais fria mas, definitivamente, tornei-me mais seletiva. Em cada visita a Portugal faço os possíveis para estar com aqueles que, em três anos e mesmo longe fisicamente, continuam a ser parte integrante da minha vida. E se isso significar que a minha ‘semana de férias’ seja simplesmente uma maratona para abraçar todos aqueles que amo, não me arrependo nada! Aliás, sou eternamente grata por isso, pois os momentos que com eles partilho valem todas as poucas horas de sono. Eles são a minha prioridade. É isso – prioridades! Sem dúvida algo muito importante que aprendi ao viver fora estes 3 anos. Aprendi a estabelecer bem as minhas prioridades; sejam elas pessoas, compromissos, ou mesmo itens na lista do supermercado caso o saco já vá demasiado cheio para o carregar até casa sozinha.


Mas tudo isto de que vos falo levou muito tempo para aprender (e muitas cabeçadas na parede também). Foi um processo longo, por vezes doloroso, mas muito enriquecedor. Aprender e perceber onde e com quem investir o nosso tempo nem sempre é uma tarefa fácil. Aceitar que hoje sou a Sofia que vive em Londres e é turista em Lisboa também demorou um pouco, pois por alguns tempos tentei viver duas vidas em paralelo. Quem vive fora sabem bem do que falo, mas para quem não vive ou nunca viveu, pode ser mais difícil de entender. A verdade é que quando nos mudamos para uma cidade nova, por mais maravilhosa e entusiasmante que ela seja, o nosso coração ainda fica muito ligado à vida que deixamos para trás. E isto pode ser um grande problema e uma grande fonte de stress, porque se torna impossível viver uma vida aqui e continuar a ter o mesmo tempo para ligar a todos os amigos e família e estar tão presente como se estivesse mesmo ali, ao lado deles em Lisboa. É impossível. Completamente impossível. Este processo de aceitação é, talvez, o mais complicado de se fazer. Mas a verdade é que quando finalmente estamos presentes em mente onde estamos em corpo, ou seja, quando estamos a 100% onde devemos estar, a vida começa a ser VIDA mesmo! O dia a dia aqui começa a ser incrivelmente vivido e o mesmo se passa nos momentos que passamos em Portugal com os amigos e família.

● Como era a tua vida antes e agora?

De novo, comparar a minha vida de antes com a de agora torna-se bastante difícil, pois são quase incomparáveis.
Se em Portugal vivia com a minha mãe, ia para a faculdade todos os dias de semana e as minhas preocupações eram discutidas no café com os amigos; aqui vivo com uma amiga, trabalho e trato de todas as coisas de casa, vou ao ginásio, viajo e tenho os meus programas de amigas. A minha roupa não se lava sozinha (obrigada mãe por todos aqueles anos em que me fizeste acreditar que isso pudesse mesmo acontecer), a tábua de passar a ferro só é usada em caso de emergência (descobri que a maioria da roupa ‘não precisa’ de ser passada a ferro) e o meu almoço não aparece pronto num tupperware no frigorífico. Tenho que fazer mil e uma coisas e ainda viver o meu dia a dia. E, no fim de tudo, acredito que faço um excelente trabalho!
Agora VIVO a minha vida. E vivo-a de uma forma muito mais intensa, completa e pura. São muitas as vezes em que me sinto absolutamente exausta, mas tenho sempre um sorriso na cara, porque todo esse cansaço vale a pena. Vivo uma vida muito feliz aqui.


Ainda muito importante – o meu trabalho dá-me a possibilidade de pagar para ter uma boa casa com um jardim maravilhoso onde o sol bate de manhã (e sim, há sol em Londres), de jantar fora todas as semanas com as amigas e de viajar para os lugares que mais quero. Tenho qualidade de vida, em todos os sentidos. Além disso, Londres tem comunicação com todo o Mundo e consigo voos muito baratos para vários lugares, por isso as viagens esporádicas ao fim-de-semana, são sempre uma opção. E viajar, conhecer outros lugares, outras culturas, outras pessoas, foi talvez uma das coisas que mais me fez crescer nos últimos anos. Fez-me entender o Mundo de uma forma diferente, aprender a ver as coisas noutra perspectiva e fez-me perder muitos medos, como o da distância, pois ainda hoje mantenho contacto regular com muitos amigos que fiz fazendo pelo caminho.

● Prós e contras do país em que estás vs Portugal

Inglaterra é um país muito bonito! Não...Inglaterra não é só Londres! Já vivi em três cidades diferentes e cada uma tem a sua essência. Este é um país muito especial.
Não sou a maior fã de fish & chips e as pies também não me convencem. É verdade, aí nem há comparação, a gastronomia portuguesa é muuuuito melhor! No entanto, vivendo em Londres tenho a possibilidade de não só ir a muitas lojinhas onde posso comprar produtos portugueses, mas também de ir a restaurantes com comida com um cheirinho a casa. Ah, e UCAL! Nesses lugares encontro UCAL! Os mercados de rua com comida são mais que muitos e tenho a possibilidade de experimentar comida de todo o Mundo. Nisso Inglaterra está muito bem!
Cultural e artisticamente falando, acho que Inglaterra está muito mais à frente de Portugal. As pessoas são mais informadas, há muito mais atividades culturais e dá-se imenso valor à arte em todos os sentidos. 
Economicamente, bem...acho que não há muito a dizer. Por exemplo, Londres é uma cidade cara, mas também se ganha bem. Um ordenado não dá apenas para pagar a renda e comer, como muitas vezes acontece em Lisboa. Paga-se a renda, come-se, ainda se come fora umas vezes pela semana, paga-se o ginásio, mais uns copos com os amigos, umas compras aqui e ali, podemos fazer esta ou aquela viagem e ainda sobra dinheiro ao final do mês. Mas também não andamos aqui a nadar em dinheiro, atenção! Acho simplesmente que a estabilidade económica é maior.


E esta forte economia é muito visível na sociedade Inglesa. O stress, o trabalho intenso, a pressa para tudo e a correria para mais e mais e mais é assustadora. Nisso gosto muito de Portugal. O passo mais desacelerado, mais descontraído, mas claro que depois se reflete numa economia muito mais fraca. 
A nível profissional, acho que Inglaterra é um país onde se pode investir muito nas mais diversas áreas. Acho que a mentalidade é mais aberta que em Portugal no sentido de cross linking. Com um curso na área científica trabalhei, também, em managing de uma equipa de administração. Hoje trabalho na minha área no melhor centro de investigação da Europa. Acho que conseguem aceitar mais as pessoas pelas suas capacidades e não pelo canudo na mão, como em Portugal.
Quanto às pessoas... quanto mais anos passam, mas orgulho tenho em ser portuguesa. A cultura inglesa é muito baseada no ‘politicamente correto’, por isso os sorrisos na rua e no trabalho são mais que muitos, mas na verdade é tudo um pouco fachada. Os portugueses nisso são mais reais, honestos e simples. A nossa cultura é muito única e muito unida. Sou bastante patriota! 
Ah...e não usamos fake tan! Também não precisamos, já que o sol é convidado regular no nosso país. Esse sim, faz alguma falta por aqui, especialmente no Inverno. O sol e o mar são duas coisas que me fazem muita falta. Muita mesmo. Mas têm estado dias de sol maravilhosos por Londres e se este Verão for como o ano passado, só temos motivos para estar felizes.


Tanto Portugual como Inglaterra têm os seus prós e contras, e apesar de ser muito feliz em Inglaterra, é em Portugal que tenho a minha família.  
Viver longe das pessoas que amamos não é fácil e só nós sabemos o que é a angústia de nem sempre podermos estar na linha da frente quando alguma coisa acontece. A ansiedade ao ouvir notícias menos boas pelo telefone e não poder fazer nada. Não é fácil. Nada fácil.
Lisboa deixa-me muita saudade. A cidade, os cheiros, a comida e aqueles que amo e que lá vivem. Mas aprendi que a saudade é dos melhores sentimentos que podemos sentir. Ter saudade significa que outrora vivemos momentos incríveis que guardámos nos nossos corações. Saudade significa que passámos momentos felizes, que sorrimos, partilhámos e vivemos a vida de forma intensa. Saudade significa VIDA. Sentir saudade é só mais um motivo para sorrir e ser grato pelos momentos vividos, na esperança de que muitos mais cheguem. Seja em Portugal, em Inglaterra, ou em qualquer outro lugar do Mundo.

Afinal de contas, como um dia me disse alguém muito especial:

‘É tudo uma questão de geografia.’


Fotos: Sofia Graça

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