DE CÁ, PARA LÁ #8: A SARA, PARIS e o regresso a Portugal

4/10/2017


Se tivesse escrito este testemunho há uma semana atrás, apresentar-me-ia como Sara Vicente, 26 anos, a viver em Paris e a trabalhar como Gestora de Projetos numa empresa de videojogos. Escrevendo-o agora, excluo as duas últimas informações e mudo de tempo verbal, pois, curiosamente, estou de malas feitas para regressar a Portugal.

● Sair do país

O IR & O VOLTAR. Cheguei a Paris há três anos, motivada, principalmente, por dois factores: sentia-me “encurralada” na vida que vivia em Lisboa e o meu namorado tinha-se mudado para Paris há cerca de seis meses. Hesitei bastante antes de vir, mudei de ideias dúzias de vezes mas, eventualmente, cansei-me de ser refém de um ciclo vicioso que me levava a estar em Lisboa para trabalhar e a trabalhar para estar em Lisboa, e tomei a decisão.

Despedi-me do meu trabalho como Consultora de Comunicação (o meu emprego de sonho, até então) ainda sem ter nada definido. Candidatei-me a uma única vaga na mesma empresa onde estava o meu namorado e, na véspera de embarcar, recebi o meu “sim”.

Agora, é hora de voltar, não para Lisboa mas para a minha terra natal, mais calma, mais lenta e, acima de tudo, com mais caras familiares. Com o tempo, quando se está fora, é difícil manter o foco e continuar motivado e feliz, sabendo tudo o que deixámos para trás e que nunca será possível recriar numa cidade que não nos pertence e à qual não pertencemos também. 

Paris é muito bonito mas nunca foi, por muito que quisesse, a minha Casa.


●  O eu de agora e o eu de quando estavas em Portugal

Sair do país é uma experiência de autodescoberta brutal! 
A nível pessoal, percebi que era extremamente insegura e que tinha um complexo de inferioridade enorme. Falo disto com alguma naturalidade, porque combater estas características – ou tentar, pelo menos, amenizá-las – tem sido uma das minhas grandes missões aqui. Com o tempo, percebi que a forma como me via/vejo estava desfasada da forma como os outros me vêem. No mesmo tópico e um pouco ironicamente, aprendi a não dar tanta importância ao que pensam de mim e a ser mais firme e seguir as minhas convicções (work in progress, still). 

A nível profissional, e por estar rodeada de pessoas de mais de vinte nacionalidades diferentes, rapidamente percebi que o ritmo que trazia de Portugal era muito mais acelerado do que o ritmo que se tem cá e noutros países europeus, pelo que me vi forçada a aprender a abrandar e a relativizar mais as coisas. Não querendo cair em generalizações mas generalizando mesmo assim, os portugueses têm uma ética de trabalho muito acima da média e dão muito mais valor às oportunidades e responsabilidades que assumem.


● Como era a tua vida antes e agora?

Em Portugal, tinha as minhas opções muito limitadas, principalmente por falta de tempo e de capacidade financeira. Sentia que, embora conseguisse progredir a nível profissional, a vertente pessoal estava estagnada e a ser constantemente deixada para segundo plano.

Por outro lado, tinha a minha família e os meus amigos e, a nível social, não tinha quaisquer razões de queixa. Em França, perdi muito desse aspecto social, tive muitas saudades de “ir ao café” e daqueles serões passados na conversa, em que temas e pessoas se atropelam constantemente, de tanto que há para falar.

No entanto, aqui abriram-se portas para “recuperar o tempo perdido” e ter experiências que, até então, não tinham sido possíveis. Aproveitei, sobretudo, para viajar o máximo que pude, tirando partido das vantagens geográficas e financeiras que surgiram com a minha mudança para cá. Tive a oportunidade de conhecer bastantes países da Europa e de realizar o meu sonho (super original, eu sei) de ir a Nova Iorque.

Agora, que forçosamente me vejo a fazer balanços, as viagens que fiz são, definitivamente, um dos grandes highlights desta fase que chega ao fim, a par da experiência de trabalhar com pessoas de culturas e backgrounds tão diferentes.


●  Prós e contras do país em que estás vs Portugal

Apesar da proximidade geográfica e linguística, França – Paris, em particular – e Portugal são extremamente diferentes. De uma forma resumida, em Portugal, somos virados para fora e em França as pessoas são viradas para dentro.

Portugal é amigável, confortável e caloroso, gosta de receber e faz sempre, pelo menos, um esforço para chegar a um entendimento. Os parisienses são frios, pouco receptivos a pessoas de fora e muito pouco interessados em ultrapassar barreiras linguísticas e culturais. Isto resume os “contras” de Paris. 

Não me refiro a França de uma forma mais generalizada porque em outras regiões a realidade parece ser completamente diferente, mas há algo que é transversal a todo o país: a devoção à burocracia. França adora papéis ao ponto de os cheques ainda serem algo que se usa frequentemente, e até o assunto mais simples requer todo um processo burocrático longo e complicado para que possa, eventualmente, vir a ser resolvido. É uma canseira!

Os “prós” são condições de trabalho muito superiores, um sistema de Segurança Social que funciona e do qual se beneficia visivelmente e, como referi anteriormente, uma posição bastante estratégica para apanhar um comboio e ir conhecer a Europa.


 O balanço

Vir para fora mudou a minha vida profundamente. Agora, conheço-me melhor a mim, aos meus limites, às minhas capacidades e às minhas motivações. Sei que sou capaz até um certo ponto e estou confortável com isso. Sei quando preciso de parar, reflectir e mudar de rumo.

Por outro lado, também conheço melhor o mundo e as pessoas que vivem lá dentro. Abri horizontes, aprendi a julgar menos e a tentar compreender mais. A dar, sobretudo, mais tempo.


O saldo é claramente positivo, mas agora é hora de voltar para Casa! :) 


Fotos: Sara Vicente

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