De Cá, Para lá #2: em Londres, o João

3/01/2017

#2 EM LONDRES, O JOÃO

O João, tem 25 anos e trabalha como Jornalista/Editor num site de notícias financeiras em Londres, no Reino Unido ao mesmo tempo que termina o mestrado em Jornalismo Financeiro.


● Sair do país

Saí de Portugal em Agosto de 2015, primeiro em direcção à Dinamarca onde vivi um ano. Depois vim para Londres onde estou desde Agosto do ano passado.

Quando saí de Portugal, despedi-me de uma empresa onde estava a contrato fixo e totalmente remunerado. Fui criticado por desvalorizar a sorte que tinha só pelo simples facto de ter um emprego fixo e certo na área. Mas sinceramente... não me arrependo nem por um segundo da decisão de ter abandonado o emprego e o país. Hoje em dia dizem às pessoas que têm de trabalhar horas extraordinárias, na grande maioria não remuneradas. E as pessoas, com medo do desemprego, começam a subverter-se, a aceitar coisas que normalmente não aceitariam. Começam a pôr para trás os seus próprios valores pessoas por causa da cultura de medo a que são expostos. Se se queixarem, são facilmente despedidos e substituídos por alguém que aceite receber menos. É um ciclo vicioso com o qual eu não estava disposto a compactuar mais. E do qual não sinto saudades de todo. O medo constante de ser despedido, de ficar numa situação insustentável de desemprego é um constrangimento que eu sentia em Portugal e que não sinto aqui fora.


Não me imagino a regressar num futuro próximo. O mercado de trabalho em Portugal, para além de ser pequeno e de ter pouquíssimas novas oportunidades a surgir com uma frequência desejável, está cada vez mais contraído. Aqui, se for despedido, não é o fim do mundo. Há mais trabalho, mais respeito pelo trabalho e mais oportunidades de subir na carreira, com salários muito superiores que compensam, apesar do custo de vida. Aqui tenho melhores hipóteses de me sentir realizado profissionalmente e melhores condições para um dia construir uma família. E isso é muito mais importante do que ter muito sol, calor e praia.

O eu de agora e o eu de quando estavas em Portugal

Não sei se mudei muito desde que abandonei o país. Provavelmente continuo o mesmo, mas agora confio mais em mim mesmo e naquilo que consigo fazer no futuro. Ainda assim, aqui há incertezas, claro. Aqui não tenho uma base de apoio familiar como tinha em Portugal, por isso habituei-me mais a lidar com as adversidades à minha maneira, sem pedir ajuda de ninguém. Estou mais cínico. Já vi coisas aqui que provavelmente me chocariam em Lisboa. Aqui é só passar, olhar e continuar a andar. Tornam-se banais.

Acho que também lido melhor com as incertezas. A competição é mil vezes maior e temos de lutar muito mais por tudo o que queremos alcançar, aqui. Já para não falar de que a língua se torna numa desvantagem, especialmente na minha área, onde é basicamente o meu ganha-pão. Sinto-me mais pequeno aqui, mas também sinto que, com a atitude certa, consigo chegar mais rápido a onde quero estar e me sinto realizado.
 

● Prós e contras do país em que estás vs Portugal

Os lisboetas não se apercebem mas Lisboa, onde eu vivia, é uma cidade que tem um ritmo de vida lento, calmo. Não sei se digo isto por viver em Londres ou se é relativamente uma cidade lenta no geral. Dá para ter uma vida normal. Mesmo que se trabalhe horas a fio, tudo é perto, os amigos estão por perto, a família também. O problema é que basta alguma coisa correr mal para o comboio descarrilar, porque ninguém está habituado a viver rápido. Eu não estava.

A vida aqui em Londres é mais rápida, é tudo a correr. Vivem aqui 8 milhões de pessoas e, como tal, ninguém tem paciência para esperar por nada e não aceitam menos do que a perfeição. Uma das grandes vantagens de aqui viver (que para muita gente é uma desvantagem) é a diversidade de gente, culturas e costumes que aqui coabita em harmonia. Na minha casa vivem pessoas de pelo menos cinco nacionalidades diferentes e, na redacção onde trabalho, outras quatro diferentes. Faz-nos bem sair da bolha Portuguesa em que sentimos a necessidade de contextualizar tudo o que está à nossa volta de acordo com aquilo a que estamos habituados. Faz-me bem lidar diariamente com pessoas e culturas que se acabam por tornar um desafio. Acho genuinamente que faz de mim uma pessoa melhor e mais tolerante.


● A tua vida antes e agora

O que custa mais, obviamente, é estar longe da família e amigos. Quer queira, quer não, continuo a sentir bem o fado português e saudades fortes, apesar de já estar instalado aqui fora e não fazer conta de voltar. De vez em quando não há nada como ir a um restaurante português aqui onde até o pão caseiro nos sabe a casa. Mas estaria a mentir se dissesse que aqui não estou mais feliz. Estou mais feliz aqui: ganho mais dinheiro, tenho acesso a mais oportunidades de emprego, mais eventos culturais, continuo a ter amigos por perto e, a pouco e pouco, vou construindo a minha vida aqui.
Aqui posso andar de bicicleta, posso comer comida de praticamente todos os cantos do mundo, incluindo portuguesa. Posso ir a todos os tipos de concertos, eventos ou festas. Há para todos os gostos. Até o tempo, a quem tanto rogam pragas, não tem sido nem um terço daquilo que me tinham dito que ia ser quando vim para cá. Se há coisa de que tenho saudades e que não me importava de todo que os ingleses tivessem, é a descontracção portuguesa. A capacidade de relaxar, de vez em quando, com calma, sem ter de partir cadeiras ou apanhar um coma alcoólico.



fotos: João Fernandes Silva

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